Sexo e outros entorpecentes: contos de amor do século XXI – 2ª edição

Sexo e Outros Entorpecentes: Contos de Amor do Século XXI – 2ª Edição

 

Sexo e outros entorpecentes - segunda edição (2)

 

Os blogs Beatniks, Maldit@s e Marginais, Café e Analgésicos e Causos de um Aspirante a Escritor continuam a instigar os amantes da 6ª Arte – a literatura (segundo Ricciotto Canudo, teórico e crítico de cinema pertencente ao futurismo italiano, que, em seu “Manifesto das Sete Artes” (1923), acrescenta a lista precedente do filósofo alemão Friedrich W. Hegel o cinema como a “sétima arte”) – a falar sobre o paradoxo do amor, as leis da atração, o amor enquanto essência do Universo e as benesses do sexo casual. Nada é para sempre? É possível a felicidade plena no encontro de corpos desconhecidos, que por instantes/minutos/horas/dias experimentam algo que vale uma vida inteira? Ou ainda, se é eterno, que seja enquanto dure? O amor está escrito nas estrelas? Tais interrogações conduzem a circunvoluções, debates e/ou explanações que contribuem para colocar em discussões as relações contemporâneas: sua liquidez, desejo de permanência, de liberdade, afinidades ou desapego. Paradoxos em choque. Como canta a banda britânica Bloc Party, “What are you holding out for?/ What’s always in the way?/ Why so damn absent-minded?/ Why so scared of romance?/ This modern love breaks me/ This modern love wastes me”. (A que você está resistindo?/ O que está sempre no caminho?/ Por que tão distraído?/ Por que com tanto medo de romance?/ Este amor moderno me quebra/ Este amor moderno me desperdiça). Romances modernos, seus caminhos e descompassos. Eis a nossa segunda edição.

 

 

Sexo e Outros Entorpecentes: Contos de Amor do Século XXI – 2ª Edição

Um livro aberto

 

Tiago Haubert *

Causos de um Aspirante a Escritor

 

“Ela vai me pagar. Não poderia ter feito isso comigo. Por quê? Tem que ser hoje” – pensei.

Peguei uma corda, um pano e minha pistola 9mm na gaveta do criado mudo da quitinete na Serrinha e botei na cintura.

Olhei o relógio. Era 8:30 da noite. Abri o Facebook mais uma vez. Olhei as fotos de Vanessa. Aquele corpo maravilhoso e voluptuoso. Os seios fartos sempre em decotes avantajados e vestidos colados que ressaltavam suas curvas. As selfies para seus milhares de seguidores em frente ao espelho ou em qualquer lugar que fosse digno de demonstrar toda sua plena felicidade, eram diárias. A vida de Vanessa era um livro aberto regado a festas e ostentações. Isso me deixava louco de ciúmes. Fazia meses que tentava tirá-la da cabeça, mas ela simplesmente lançava um feitiço desnorteante em meus sentidos.

Desci o morro da Serrinha apressado. Assenti para o Jacaré. Minhas mãos suavam.

Cheguei à esquina, passei pelo mercado e esperei sentado no ponto de ônibus. Minhas pernas tremelicavam enquanto eu pensava em Vanessa.

Demorou cerca de dez minutos até o ônibus “Volta ao Morro Carvoeira” despontar na curva. Aprumei-me e camuflei-me na sombra do cartaz publicitário do ponto.

Lá estava ela. Em pé, esperando o “latão” parar por completo. Os seus cabelos pretos ondulados, a pele perfeita, o decote costumeiro e a saia curta provocativa.

Vanessa desceu sozinha e devagar para não cair dos saltos altos e, assim que o ônibus arrancou, sai das sombras, agarrei-a pelos braços e tapei sua boca com toda minha força.

Ela mordeu e meus dedos sangraram. Uma raiva descontrolada me dominou. Puxei a pistola e dei uma coronhada na nuca dela. Vanessa desfaleceu imediatamente.

Coloquei-a no meu colo, atravessei a rua e passei pela fissura na grade que levava ao bosque da “UFSC”.

Sem pensar nas consequências do que eu fazia, amarrei-a na árvore e amordacei-a com um pano. Meus maxilares tremiam em câimbras. Ela demorou a acordar e eu andei de um lado a outro impaciente. Mexi meus dedos incontroladamente.

– Para! – berrei para mim, tentando conter meu tique nervoso.  – Deixe-me em paz! – briguei com as vozes na minha cabeça. – Já falei que vou fazer isso.  Saia daqui. Vá embora!

– Enfim acordou – aliviei-me assim que vi Vanessa mexer o pescoço. – Qual é a sensação?

Ela balançava a cabeça desesperada e gritava coisas sem sentido.

– Se você não é de Zé, não será de ninguém – falei aproximando-me do cangote de Vanessa para sentir mais de perto o cheiro de seu perfume forte.  Parei ali por alguns segundos quase hipnotizantes.

Vanessa debatia-se desesperada. Os punhos amarrados escorriam um filete de sangue. Com meu dedo limpei o sangue e cheirei para sentir aquele aroma férrico e perturbador.

– Cala a boca! – berrei ao dar um tapa no rosto dela que tentando gritar por sua vida.

Aquilo me arrepiou de prazer.

Ela apenas parou quando encostei a ponta gelada da minha pistola entre seus seios.

– Agora vou desatar sua mordaça e você vai ficar bem quietinha. Entendeu?

Resignada, ela assentiu desenxabida.

Com a pistola, baixei o pano. Vanessa berrou por socorro com todas as forças de seus pulmões, porém seu clamor não ganhava do trilar dos grilos e o farfalhar das árvores balançando no ritmo do forte vento sul.

– Ela só pode estar pedindo por isso – pensei segundos antes de dar um soco na têmpora dela.

Os olhos de Vanessa ficaram vazios e fecharam mais uma vez.

– Desgraça! De novo não.

Não adiantara a súplica. A cabeça de minha amada já pendia pra frente.

– Como vou fazer isso sem você olhar. ACORDA!

Vanessa não respondia.

À meia hora seguinte demorou a passar até ela levantar a cabeça. Minha mão já estava em carne viva de tanto socar o alburno das árvores.

– Acordou, vagabunda. Agora você verá – disse avançando como um trator.

Destravei e apontei a arma para cabeça de Vanessa. Ela me olhava com súplica enquanto berrava por socorro. Mas era inevitável. Eu tinha que fazer isso.

Como um raio que pudesse me cortar ao meio, um estrondo irrompeu seguido de uma pontada em meu corpo. Mais uma vez o cheiro férrico perfumou minhas narinas como uma lufada de prazer.

Olhei para baixo e vi minha camisa absorvendo o sangue que saia de meu peito.

Sem forças, cai de joelhos e não consegui segurar minha pistola.

Um policial se aproximou e chutou minha arma enquanto meu sangue esvaía do corpo como a alma se despede de sua ligação com a terra.

A morte tinha aquele gosto? Eu me sentia leve. Como se tudo que me atormentava desaparecesse imediatamente.

Misturada com a melodia condescendente dos espíritos em seu chamado, ouvi a voz de Vanessa soluçante ao fundo, conversando com o guarda. Seria essa minha última lembrança da vida?

– Está tudo bem com você, garota? – perguntou o guarda.

– Sim, me tire daqui. Sorte que você apareceu.

– Eu estava fazendo minha ronda e ouvi seus gritos.

– Ele é doente – disse Vanessa aos prantos.

– Quem é esse louco?

– Não faço a menor ideia. Parece que se chama Zé.

 

Álcool e qualquer coisa…

 

Juliene Leite **

Beatniks, Maldit@s e Marginais

 

Em êxtase, mirei seus belos olhos castanhos e ouvi:

– Você é a pessoa que mais me dá prazer!

Soou-me estranho na primeira vez que ouvi esta frase saindo de sua boca, mas senti extrema satisfação. Afinal, é um elogio a minha performance! Contudo, é mais uma frase solta num momento de mais puro gozo. Delírio de uma noite regada a muito álcool e a qualquer coisa que possa explorar nossos sentidos e dar vazão ao nosso prazer.

– Você é a pessoa que mais me dá prazer! Há muito tempo não sinto tanto prazer em fazer sexo com alguém!

Dizendo isso, fecha a porta e se vai. Sem beijos ou abraços. Sempre me pergunto: será um adeus ou um até logo?

Porém, sempre volta burlando minhas defesas e alimentando minhas fantasias. E, ao ir embora, como de praxe, nada de despedida, nada de beijos e abraços, nada que lembre um filme romântico hollywoodiano, somente um olhar. Um olhar penetrante e quase indecifrável.

É segunda-feira. Sem nada para fazer, ressurge em companhia da noite para contentar seu ego ou seu ímpeto, ou ambos. Tomo o último gole de cerveja, sobra de um final de semana agitado, acaricio sua barriga e percorro cada parte do seu corpo. Por fim, olha nos meus olhos e diz:

– Você é a pessoa que mais me dá prazer!

Levanta-se e segue para o banheiro. Do chuveiro grita:

– Sei que você sente o mesmo!

Eis que surgem a náusea e a excitação. Prazer? Sentir? Acendo o cigarro e quase em som inaudível digo:

– São delírios de mais uma noite regada a muito álcool e a qualquer coisa…

 

Caçadas: Tempo do amor

 

Dani Buzzacaro ***

Café e Analgésicos

 

Em um pequeno pub lotado com luz avermelhada, desses lugares onde mal se vê além das próprias mãos e garrafa de cerveja, banda de rock, pessoas. Lá fora uma chuva torrencial que obrigava os muitos fumantes do lugar a se apertarem sob a marquise para exercitarem seus vícios.

Ele, conquistador nato, como caçador, farejava sua “presa”. Ela não suspeitava de nada fumando seu cigarro e observando os pingos da chuva, alheia a todo o barulho ali concentrado.

Ele a viu. Ele a escolheu. Ela ainda não sabia de nada. Não podia imaginar o que estava prestes a acontecer na sua vida. Ele esbarrou no cotovelo dela fazendo parecer acidente, ela se virou com aquela cara de poucos amigos que viramos quando algum desconhecido nos esbarra, aquela primitiva reação de raiva por alguém ter ultrapassado o seu território antes de a educação do “tudo bem, não foi nada” agir.

Ele desculpou-se com um sorriso tão largo e tão brilhante que representava todas as estrelas que não apareciam no céu naquela noite chuvosa. Ela encantou-se no exato momento em que, ao deixar vir à tona a educação corriqueira nessas situações, o encarou. Parou a frase no meio, perdeu o chão, perdeu-se.

Ele notou o encantamento instantâneo. Era um caçador, poderia identificar que ela estava a fim com muito menos que isso. Começaram a conversar. A conversa fluía na medida que a quantidade de garrafas de cerveja na mesa aumentava. Cigarros, risadas, cervejas, estórias mirabolantes, elogios que avermelhavam as bochechas e acendiam um desejo latente.

No dia seguinte, o caminho de roupas que se iniciava na porta de entrada até o pé da cama denunciava o desejo imediato concebido com gosto de cerveja e cigarros. Ela acordou e ficou um tempo admirando ele. Parecia ainda mais bonito agora que uma fina fresta de luz entrava pela janela e iluminava metade do seu rosto enquanto dormia.

Levantou-se para fazer um café para eles. O cheiro já inundava todo o pequeno apartamento e a mesa já estava arrumada para dois quando ele apareceu na cozinha apanhando as roupas e as vestindo.

– Bom dia.

– Bom dia. Já vou para casa. Tenho compromisso.

– Mas é domingo, estou fazendo um café para nós. Fica para tomar um café, vai.

– Estou com pressa.

– Mas é domingo!

– Tenho que ir.

Deu nela um beijo rápido no rosto. Disse que telefonaria, mas agora precisava mesmo ir. Ela não entendeu muito bem, mas deixou que aquele homem misterioso saísse pela sua porta declarando compromisso urgente e desconhecido num domingo de manhã.

Sentou-se à mesa e ficou tentando entender o que acontecia. Com a xícara nas mãos, pensava se ele era casado, se cuidava de uma avó moribunda, se tinha filhos, algum emprego tão alternativo que o obrigava a ter reuniões aos domingos lá pelas dez da manhã.

Nada parecia se encaixar. Voltou ao quarto e respirou profundamente o cheiro dele que havia ficado em cada centímetro de parede. Aquelas paredes eram testemunhas de uma paixão tão urgente e agora esfriavam como se uma nevasca tivesse invadido o quarto.

Ele não ligou mais tarde. Ele não ligou no dia seguinte. Ela esperou, queria vê-lo. Queria explorar mais daquele caçador como caça morta desejando que seu caçador lhe desse um pouco mais de vida. Precisando respirar um pouco mais do seu ar carregado de paixões vencidas.

Na quarta-feira, tomou-se de alguma coragem – e de umas taças de vinho branco frisante – e resolveu mandar uma mensagem. Ele respondeu com tamanha doçura que ela se esqueceu de toda a crise de insegurança que havia passado nos últimos dias. Não lhe cobrou ligações, apenas aceitou prontamente o convite para uma cerveja no dia seguinte.

Na primeira cerveja a conversa parecia travada. Eram como dois desconhecidos estando sóbrios. Falavam de futilidades da rotina. À medida que o tempo foi passando, o álcool subindo, soltaram-se e de repente eram pessoas absolutamente íntimas.

A noite terminou assim como o primeiro encontro, com um sexo urgente embalado por algumas cervejas a mais. Ele continuava não ficando para o café. Ela continuava não entendendo disso.

Alguns encontros mais e ela havia caído completamente na armadilha daquele caçador de gentes e paixões. Pensava nele todos os dias, remoia conversas bonitas de antes de dormir no celular, esperava a mensagem de bom dia dele enquanto tomava café. Engolia o cheiro dele que ficava semanalmente entre seus lençóis.

Ele, arredio, a enchia de esperanças, mas ditava os tempos da relação. Sempre que notava que ela estava muito esperançosa, lhe ceifava as esperanças com sumiços e conversas frias. E ela, apaixonada, aceitava tudo isso.

Em um dos encontros, embalada por algumas doses mais de vinho, virou-se para ele na cama e disse:

– Sabe, estou gostando de você.

Ele engoliu a seco. Ficou mudo, parado, desejando fugir. Na mente dele algo de muito errado havia acabado de acontecer. Por fim, acabou soltando uma meia mentira:

– Ah sim, também gosto de você.

Ele gostava sim dela, mas admitir não estava nos planos. E não havia só ela. Ele era liberto e não pensava em se prender nas teias daquela menina tão doce. Não podia pensar em magoar alguém com tamanha doçura e com todas as atenções que ela lhe dedicava.

Sumiu completamente da vida dela. Não respondia mais mensagens, não atendia ligações. Nas noites frias, enquanto ela chorava embalada por alguma bebida e Janis Joplin, ele enroscava-se com outras pernas em bares sujos. A mesma boca que dizia que gostava dela dias atrás, agora se perdia entre batons de todas as cores e beijos de diferentes sabores.

 

“Oh, my love is like a seed, baby, just needs time to grow,

It’s growing stronger day by day, yeah,

That’s the price you’ve got to pay.

Trust in me, baby, give me time, gimme time, please, a little more time.”

 

Ela cantava na frente do espelho desejando cantar para ele: “trust me, baby”. Suplicava que ele confiasse nela e na paixão que tinha, suplicava que ele lhe desse tempo, que ficasse para ver o amor nascer.

Já embriagada, enviou para ele um trecho da música. Ele, que já sentia saudades dela que pensava em nunca admitir, respondeu a mensagem. Inventou mil desculpas que ela aceitou e se viram mais uma vez.

Naquela noite, mesmo com a cerveja, a conversa não fluía, como se um muro tivesse sido construído dia após dia desde a última vez que se viram. Ainda assim, tentaram disfarçar tudo isso, ela tentando amenizar a situação, ele procurando palavras quando na verdade, só queria procurar um beijo dela.

O sexo foi tão menos ardente, tão mais mecânico, tão estranho que, ao acordarem, ela não fez café e dessa vez, foi ela que pediu para que ele fosse embora sem tomar café. Inventou um compromisso, pois precisava ficar sozinha para tentar digerir aquele amor mal mastigado da noite anterior.

Ele não entendeu, pediu para ficar, mas foi.

Agora era ela que já não tinha mais vontade de responder mensagens e ligações. Era ela que saia a noite novamente e já não tinha mais aquela paixão para afogar em garrafas, afogava-se em novas paixões que conhecia em luzes avermelhadas e negras. Ele, em casa, lamentava-se ouvindo a trilha sonora que ela havia deixado para a paixão deles, desejando um tempo dela, um tempo com ela… mas esses amores modernos são tão rápidos e frágeis que, se as pessoas não estão no tempo certo desde o início, os tempos de ambos jamais irão se juntar novamente.

 

 

 

* Tiago Haubert é escritor e sonhador, empresário idealizador da marca de roupas FORS e advogado. Mantém o blog Causos de um aspirante a escritor (www.aspiranteaescritor.com.br) que traz dicas para escritores e tem o intuito de apoiar a literatura nacional. Escreve também no “blog Tiago Haubert” do site “Tudo sobre floripa”. Em 2015 terá seu primeiro romance – Enigmas dos Sonhos: O Pergaminho Encantado – publicado pela Editora Selo Jovem.

** Juliene Leite. Jornalista. Quase uma desenhista, quase uma poeta e quase uma contista. Amo as cores de Frida Khalo!

*** Dani Buzzacaro é nutricionista por profissão e usa as letras para fugir do mundo real – demasiado cansativo para ela. É exagerada em tudo que sente e extrapola dores e amores, sorrisos e lágrimas, sonhos e tristezas em prosa e poesia. Gosta de literatura, filmes, música, fotografia e gastronomia e dá opinião em tudo isso porque é de graça.

 

Tiago Haubert

Tiago Haubert é escritor e sonhador, empresário idealizador da marca de roupas FORS e advogado. Mantém o blog Causos de um aspirante a escritor que traz dicas para escritores e tem o intuito de apoiar a literatura nacional. Escreve também no “blog Tiago Haubert” do site “Tudo sobre floripa”. Em 2015 terá seu primeiro romance – Enigmas dos Sonhos: O Pergaminho Encantado – publicado pela Editora Selo Jovem.

1 comentário

  • Muito bom!
    Contos envolventes e que instigam nossa imaginação.
    E para fechar a conclusão perfeita – a tão necessária sincronia das emoções, o “cavalo encilhado” que passa uma unica vez: “esses amores modernos são tão rápidos e frágeis que, se as pessoas não estão no tempo certo desde o início, os tempos de ambos jamais irão se juntar novamente.”

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