Conto: Telemarketing…

TELEMARKETING…

 

 

Meu dia não estava bom e quando começa assim, só tende a piorar…

– Alô! – liguei do trabalho enquanto o celular tocava e alguém batia na porta da minha sala.

Tirimm. Tocou a musiquinha chata de atendimento automático. Levantei a mão em sinal para a pessoa voltar mais tarde. A música tocou por cinco minutos enquanto eu aproveitava para olhar e-mails no computador.

– Você ligou para Search Créditos, a única no Brasil. Digite seu CNPJ.

Digitei.

– Agora, digite seu telefone com DDD.

Digitei.

Tecle 1 para compras, tecle 2 para aumentar seu plano, tecle 3 para problemas técnicos, tecle 4 para emissão de seu boleto, tecle… tecle… 25 para reclamação, cancelamento, diminuição de plano…

Na dúvida, teclei 25. Essa hora a minha orelha começava a esquentar.

Tirimm. A musiquinha insuportável retornou, tocou por mais cinco minutos e a minha paciência começou a esvair-se.  Tecle 1 para reclamação, tecle 2 para cancelamento do seu plano, tecle 3 para diminuir seu plano… tecle 18 para falar com um de nossos atendentes.

Teclei 18 sem saber ao certo onde se encaixava o meu problema. Essa hora a orelha já formigava, e eu tremelicava a perna impacientemente. Naquele instante, meu chefe entrou na minha sala. Pedi a ele uns minutos.

“Tirimm”. A musiquinha desgraçada tocava mais uma vez. Depois de três minutos, uma voz feminina atendeu. Pensei:

– Enfim, quem vai resolver o meu problema.

– Alô!

– Alô – respondi seco e impaciente.

A mulher com toda a alegria forçada do telemarketing disse:

– Bom dia, senhor, você está ligando para a Search Créditos…

– Sério!!! Achei que tinha ligado para a mercearia!

Um silêncio perturbador perdurou no outro lado do telefone. Ouvia-se o piado do pássaro no lado de fora da minha sala.

– Seguinte – voltei a falar.

– Sim, senhor.

– Fiz uma consulta agora para saber a participação societária da empresa de um cliente, mas na consulta não apareceu o que eu queria. Deu erro e ela foi cobrada.

– Senhor, você pode “estar me confirmando” alguns dados?

– Não!

Maldita hora em que fui tornar aquilo pessoal para a atendente. Aticei a síndrome do pequeno poder.

– Então, senhor, não poderei “estar te ajudando”.

– Então por que digitei a porcaria dos dados na hora do atendimento?

– Senhor, são procedimentos, senhor. Preciso de seu CNPJ, data de nascimento, nome completo dos pais, dos avós, CPF…

– Ah, não! Queres também a minha data de casamento?

– Senhor, se possível, senhor.

Meus pensamentos queriam grampear a testa da desgraçada.

Passei os dados.

– Obrigado por “estar passando os seus dados”, senhor.

– O senhor está no céu!

– Ok, senhor – respondeu ela debochadamente, mas sem perder o sorriso da voz.

Isso me irritou ainda mais. E ela percebeu isso.

– Senhor, infelizmente, você ligou para o setor errado e você “vai estar tendo que estar ligando” novamente.

– Como assim!? TU SÓ PODES “TÁ” DE SACANAGEM! Por que não me falaste antes?

– Senhor, são procedimentos, senhor.

Minha raiva chegou ao ápice.

– INACREDITÁVEL! Não podes passar a ligação para o setor correto?

– Senhor, não, senhor.

– Qual o setor de bosta então, que eu tenho que ligar?

– No atendimento, digite 26 para problemas. Depois, tecle 15 para problemas com consultas para escritórios de advocacia instalados em Capitais.

– Ok. Desliguei praticamente fundindo o telefone ao seu suporte.

Realmente, a briga tinha virado pessoal, e eu tinha que provar que não seria vencido tão fácil.

 

Enquanto isso, numa sala no outro lado do Brasil, a atendente, divertindo horrores disse para suas colegas de telemarketing:

“- Eiiii pessoal!!! Vai ligar um cliente daqueles irritados. Pelo CNPJ é da empresa Miranda. Quem atender, por favor, passem a ligação para mim.“

Mal sabia eu a cilada em que estava caindo.

 

Liguei novamente quase estraçalhando as teclas e segui os passos indicados por mais dez minutos. Digitei os dados pela quarta vez. Essa hora meus dedos já estavam calejados e a orelha dormente.

Depois de mais cinco minutos ouvindo aquela a música do INFERNO e a voz INSUPORTÁVEL do atendimento automático, finalmente consegui ser atendido mais uma vez. Nisso meu chefe já tinha me olhado com olhar vitrificado ao entrar pela terceira vez na minha sala.

– Alô. – minha voz parecia fúnebre. Eu estava sendo vencido pelo cansaço.

– Bom dia, senhor, você ligou para a Search Créditos – disse uma mulher de voz levemente fanha.

– Bom dia, não! Só quero resolver meu problema.

– Senhor, você pode me confirmar alguns dados?

– Sim – respondi resignado.

Afinal, essa mulher não tinha nada que ver com o que eu estava sentindo.

Passei o CNPJ, a data de nascimento, a fundação da empresa, o nascimento do filho, a escola que estudava e o nome do cachorro de estimação…

– Em que eu poderia “estar te ajudando”?

Expliquei mais uma vez o que eu queria. Minha voz estava esmorecendo. Não aguentava mais aquela merda toda.

– Senhor, você terá que “estar fazendo uma nova consulta”, senhor – respondeu a mesma mulher de voz levemente fanha.

A atendente, fingindo uma voz de velha, tapou o telefone e riu simulando que estava “botando no meu” com movimentos dos braços dobrados e cotovelos para trás.

– Não, tu não estás entendendo – eu disse. – Eu justamente liguei porque não quero pagar por uma nova consulta. Não quero pagar dobrado para essa empresa que só rouba de nós! – disse eu orgulhoso pela postura justiceira.

– Então, senhor, infelizmente, não posso “estar te ajudando”, senhor.

– Tu queres dizer, então, que vocês fazem errado. Sou cobrado; eu me estrepo pagando em dobro pela terceira vez pra essa empresa picareta; e tudo que posso fazer é pagar novamente pela mesma consulta? – exaltei-me incrédulo.

Minha colega me olhou com os olhos arregalados. Ela nunca tinha me visto descontrolado daquela maneira.

– Isso mesmo, senhor – respondeu a mulher tirando o tom fanho da voz de forma triunfal e heroica.

Desliguei o telefone derrotado com as têmporas pulsando e com o coração querendo pular pela garganta em razão de raiva contida pela injustiça.

– AHHHHHH… – gritei para ninguém. – …merda de falta de concorrência!

Refiz a consulta, PAGUEI por ela, levantei e, de cabeça baixa, fui receber uma mijada do chefe.

 

Qualquer semelhança com a realidade é apenas “fruto de sua imaginação”.

Tiago Haubert

Tiago Haubert é escritor e sonhador, empresário idealizador da marca de roupas FORS e advogado. Mantém o blog Causos de um aspirante a escritor que traz dicas para escritores e tem o intuito de apoiar a literatura nacional. Escreve também no “blog Tiago Haubert” do site “Tudo sobre floripa”. Em 2015 terá seu primeiro romance – Enigmas dos Sonhos: O Pergaminho Encantado – publicado pela Editora Selo Jovem.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*