Eu ou o gado? – Contos do gaúcho Florêncio
Post criado por Charlis Haubert
Hoje fiquei apavorado. Acordei “cedito” e, como sempre, fui aprumar a lenha pra aquentar a água do mate. Sai para a varanda e vi meu cusco mordendo a própria sombra de tanta fome que tinha. Aquilo cortou meu coração. Estava decidido. Ia carnear um inseto pra fazer a churrascada de domingo.
Fui até o quarto do Juvêncio acordar o guri pra me ajudar na lida. Encilhei um cavalo dos bons e expliquei o procedimento para encurralarmos o novilho…
– Piá, vou levar aquele novilho e vou encurralá-lo naquela árvore – afirmou ao apontar para um de seus bois que pastavam próxima a uma grande figueira, perdidos na sua estância. – Depois disso vou te jogar a “soga” e você dá três voltas no tronco pra gente cortar a jugular do infeliz. Tu entendeste o que tens que fazer?
– Sim velho. Relaxa, isso é moleza.
Apenas com a resposta do olhar, tapeei meu chapéu e saí gineteando meu pingo rumo ao novilho escolhido para a churrascada deste domingo.
Juvêncio a posto, rodei o laço e, num tiro certeiro, lhe acertei as guampas.
De pronto puxei o freio do potro que levantou poeira e levei o animal de arrasto até a árvore combinada. Pulei do potro, larguei o laço nas mãos de Juvêncio e fui pro lado encilhar meu pingo.
Então, saquei a adaga de trás das costas para dar o golpe fatal. Quando passei a mão no cabo da arma, o espanto. O “maledeto” do novilho “tombeou” Juvêncio e, como um rinoceronte no cio, virou as “guampas” destemido em minha direção. O bichano me olhava no grão dos olhos. Sem pensar, sai de arranque.
Corri o máximo que pude, mas o bicho me acertou pelas costas. Senti minhas costelas prensando as entranhas enquanto os músculos da minha cara se contorciam numa medonha careta de dor. Por fim, o bichano me carregou e me atirou pro outro lado da cerca.
Levantei dolorido, cambaleando e atordoado pela dor inevitável do nocaute. A essa altura Juvêncio já estava em cima de uma árvore. Com os olhos inchados de raiva gritei o mais alto que pude.
– Guri, tu desça daí pegue o cavalo e toca esse boi!
– Bah , não vai rolar, eu não vou descer.
– “Vamo home”, to te mandando.
– Ah meu, prefiro levar uma “tunda de pau” do que uma chifrada.
– É triste ter um filho medroso – pensei desalentado da vida.
Juntei minha “boleadeira”, fiquei de pé em um tronco da cerca e, quando o animal ainda corria desgovernado perto de mim, grudei a boleadeira nas suas patas. O bicho caiu duro no chão. Enquanto Juvêncio descia da árvore, passei a mão na adaga e coloquei o bico da bota nas fuça do animal com ar de vingança. Minha lâmina brilhava o triunfo. Venci o duelo.
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