Florêncio e o desemprego – Contos do gaúcho Florêncio

Post criado por Charlis Haubert

Buenas , dando continuidade aos meus causos, hoje não tenho uma boa notícia.

Acabei de voltar da cidade e descobri que o frigorífico que compra o meu “gadinho” pediu falência e não tenho ninguém pra vender minha carne por aqui. Vou ter que inventar alguma coisa para fazer. Estou desempregado.

Cheguei ao rancho final de tarde, quebrado de cansaço e com a cabeça quente desses acontecimentos, crente que a situação não tinha como piorar. Mas quem tem Juvêncio como filho pode esperar qualquer coisa. O guri estava com o som lacrado no quarto, tocando aquela tal de guitarra.

Tentei ignorar no inicio, mas não deu. Era um “rárárá” daquele som ensurdecedor… Fui lá irritado e quase quebrei a porta só no bater.

– Piá. Tu baixas esse som e para com essa folia. Não dá mais para descansar nessa casa.

Pois ele me respondeu com aquela voz irritante de quem quer ser malandro.

– Mas bah velho, não enche. Tô tirando um ACDC irado na guita.

– Mas “hôme”, tá tirando o que pra assar com essa barulheira?

– Bah velho. Tu és muito quadrado. ACDC é uma banda de rock, não tem nada pra assar. Tô aqui num cover irado.

– Piá, a única couve que eu conheço é a que a tua mãe planta na horta. Então, tu para com esse “gritedo” e desliga essa porqueira antes que eu pegue o meu relho e faça por ti.

– Ok.Ok, seu “véio” gagá. Vou pôr meus fones de ouvido e ficar bem de boa aqui no meu quarto.

Tchê, eu não sei mais o que fazer com esse piá.

Na semana passada, ele me levou pra dar uma volta e, na conversa, acabamos em uma tal de boate. Tudo isso só porque o pão duro não tinha dinheiro pra pagar a entrada.

Lá, ele me fez dar uns pinotes numas músicas internacionais. Não me lembro de muita coisa. Só de um barulhão infernal e uns chirú de roupa preta cheias de caveira gritando YEHHH…

Pois é. Meu velho relho trançado me fez falta aquele dia.

Mas, voltando ao dia de hoje. Irritado por estar desempregado e ter que sustentar o preguiçoso do Juvêncio fui falar com Brilhantina:

– Mulher, eu não sei mais o que fazer com aquele guri.

– Não te preocupa Florêncio. É a idade. Você sabe como é essa gurizada de hoje em dia.

– Idade? Quando eu tinha a idade dele eu estava quebrando queixo de potro nas fazendas do velho Anastácio pra ganhar o pão de comer.

– Não seja tão duro. Ele só quer realizar o sonho de tocar numa banda.

– Mas vai tocar o que com aquela “ranhera”? Isso é falta de laço. Vou botar esse piá no cabo da inchada. Enfim, o que tem pra jantar?

– Tem bucho e de sobremesa bergamota. Foi Mercedita quem fez.

– Chame ela então para comer.

– Já vou. Ela está estudando.

– Essa sim vai ser doutora. É meu orgulho. Como podem irmãos ser tão diferentes¿ Dei a mesma criação pros dois…

– Oi pai.

– Então guria, o que tu fizeste hoje?

– De manhã ajudei a mãe a tirar leite das vacas além de dar comida para os porcos e galinhas. Após, fui pra aula, dei banho nos cachorros e fiz minha lição de casa. Recém voltamos da cidade.

– Da cidade? Mas foram fazer o que lá guria?

– Ah, o Juvêncio foi tocar na rodoviária.

– Tocar na rodoviária? E tu foste fazer o que junto?

– Segurar o chapéu.

Aquela hora pensei seriamente em acabar com o piá, mas respirei fundo e falei calmamente…

– Chama teu irmão lá no quarto.

Já de volta, com os dois na cozinha, tentei manter a calma e meus olhos baixos para manter o controle.

– Piá, tu levou tua irmã pra rodoviária pra mendigar?

– Não velho. Ninguém mendigou nada. Fomos pra rodoviária distribuir um pouco de cultura. Algumas pessoas nos deram moedas é verdade, mas…

– Que cultura o que. Tu saíste do terceiro ano sabe-se lá como, sem nem saber conta de adição, agora vai querer me falar de cultura. Faz o seguinte, vai dormir antes que eu te dê uma “camassada”.

Eu até queria falar mais algumas coisas a respeito, mas eu já não tinha mais cabeça pra nada. Preferi dormir. Do jeito que a coisa estava eu ia me incomodar cada vez mais.

Mas, parece que agora essa vida de mendigar está à espreita da minha porta.

Tiago Haubert

Tiago Haubert é escritor e sonhador, empresário idealizador da marca de roupas FORS e advogado. Mantém o blog Causos de um aspirante a escritor que traz dicas para escritores e tem o intuito de apoiar a literatura nacional. Escreve também no “blog Tiago Haubert” do site “Tudo sobre floripa”. Em 2015 terá seu primeiro romance – Enigmas dos Sonhos: O Pergaminho Encantado – publicado pela Editora Selo Jovem.

3 comentários

  • Curti o conto mas posso tirar uma dúvida?
    Não sou gaucho então achei um pouco exagerado o uso de algumas palavras como “Bah velho”, “guri”, “piah” etc. Pra mim deu a impressão de que é um paulista escrevendo sobre o esteriótipo da fala de um gaucho.
    Mas sei que você é gaucho, então, realmente vocês falam assim atualmente ou você deu uma exagerada poética?

  • Olá Igor. Obrigado por ler meu conto.
    Sim de fato sou gaúcho, em cidades mais interioranas fala o gauches bem puxado mesmo, eu nasci em uma cidade bem pequena e meu sotaque me denúncia em qualquer lugar em que chego. O fato de forçar as palavras do Juvêncio como “bah velho” é para caracterizar aquele guri bobo que quer ser visto como um carinha malandro da capital, ai fica essa mistura evidentemente forçada do interior com o puxadinho da capital. Dá para imaginar?

    Um abraço!

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