Sexo e Outros Entorpecentes: Contos de Amor do Século XXI – 5ª Edição

Sexo e Outros Entorpecentes: Contos de Amor do Século XXI – 5ª Edição

 

A última edição de Sexo e Outros Entorpecentes: Contos de Amor do Século XXI celebra a diversidade e a complexidade do mundo contemporâneo. Saudações ao binômio vínculo x liberdade. Paradoxo persistente e pertinente a qualquer discussão sobre o tema amor. Segundo Humberto Maturana e Gerda Verden-Zöller, “O amor é a emoção que fundamenta o social. Cada vez que se destrói o amor, desaparece o fenômeno social. Pois bem: o amor é algo muito comum, muito simples, mas fundamental” (Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004). O amor nos concede esse “gosto” de viver em sociedade, enseja a aceitação do outro e cria espaço para a cooperação. Essa é uma definição do amor que o encara como fenômeno biológico. Mas essa explicação retira do amor componentes como imprevisibilidade, passionalidade, desmedida e outras características. O amor acontece! Sem razões óbvias ou entregues em termos pré-estipulados.

O sexo deleitado pelos amantes do século XXI pode ser ou precisa ser descompromissado, revelar (?) afinidades e afirmar o direito ao prazer como inalienável. Amor ou sexo? Se há sexo sem amor, teme-se a impessoalidade. Se há amor com sexo mediano, receia-se a insatisfação. Apontando o vazio conceitual que acompanha as preferências d@s parceir@s, alguns caminham à deriva, outros carregam convicções claudicantes e um tanto luta para manter a sanidade emocional.

O amor é um enigma? E o sexo, uma selva de epiléticos? Não há respostas. A questão é: há perguntas?

Assim, Beatniks, Maldit@s e Marginais, Café e Analgésicos e Causos de um Aspirante a Escritor concluem os trabalhos, desejando sempre afetos e prazeres, aqueles contidos na literatura, no amor, no sexo, enfim, na vida.

E para encerrar, um trecho da música Os Passionais de Mariana Aydar, “Parabéns para nós/ Os passionais/ Parabéns para nós/ E aos demais/ Que também como nós/ Se vão, voltam atrás”.

 

 Sexo e outros entorpecentes 5ª edição (2)

 

Sexo e Outros Entorpecentes: Contos de Amor do Século XXI – 5ª Edição

 

Planos de Areia

 

Charlis Haubert *

Causos de um Aspirante a Escritor

 

O telefone tocou… poucas palavras escritas passaram a limpo uma história inteira. Uma breve mensagem de saudades de um amor antigo fez com que renascesse em poucos segundos um sentimento que levara anos para adormecer.

Um amor antigo propondo uma vida nova. Algo inédito como um romance policial, acompanhado do clichê de final feliz. Reconhecer uma guria que eu já conhecia de vidas passadas… Não seria idiota de não tentar isso.

Era início do ano. Ainda era difícil de acreditar em tudo que acabava de acontecer. Após intensas noites de baladas com meus amigos na praia de Balneário Camboriú, saquei as chaves do carro e fiz uma pequena mala. A grande distância que nos separava parecia algo tão irrelevante. Eu sabia perfeitamente a direção para o seu encontro. Seu cheiro, seu rosto, seu olhar me perseguiu durante toda a noite que durou a viagem.

Outra noite que se foi. Minha angústia aumentando mais. Precisava reencontrar aquele amor que se tornara meu vício. Estava tudo pronto para o reencontro. Começamos com um jantar onde reativamos todos os nossos antigos planos e, ao passear pela praça, concordamos no quanto fomos idiotas em ter largado tudo aquilo. Tantas promessas e tantos planos… Sentia que ela ainda me tratava como um lobo.  Via uma mistura de medo e desprezo em seu olhar. Eu sabia que àquela altura seria fácil reconquistar aquela que tanto me jurou amor.

Não via a hora de sustentar o vício que ela me causava. Eu rabiscava planos em guardanapos de papel. Tudo estava planejado para nossa vida em Floripa.

Comentei o romance com um único álibi que não mostrou a aprovação que eu esperava. Dane-se, ele não podia ver o cenário com tanta clareza como eu.

O escritório de advocacia já estava pronto para a chegada dela e o apartamento organizado. Nada poderia dar errado. Peguei o carro e fui buscá-la. Mais uma vez os mais de 700 km não pareciam nada perto da angústia que me corroía. Eu não podia crer naquele momento.

Quase chegando no meu destino, saquei o celular, mandei um whats e não fui correspondido. Fiz duas ligações que não foram atendidas. Então, parei na casa de meus pais que fica próxima à cidade dela e mandei mais alguns whats, os quais podia ver quando eram lidos. Mesmo vendo minhas mensagens e sabendo de minha presença, ela não me respondia. Comecei a suar frio. A abstinência me bateu forte. Horas se passaram e uma mensagem apitou em meu celular. Oh Deus, era ela. Abri o texto o mais rápido possível.  Poucas palavras anunciavam: “Pensei melhor, decidi não ficar com você”.

Diferente do natural, não entrei em desespero, nenhuma lágrima escorreu de meu rosto. Cai em uma grande gargalhada por ter sido um grande idiota. Fui a marionete de um teste no qual ela teve certeza que, após dois anos, eu ainda estava em suas mãos.

Um dia pensei que já tinha perdido a mulher da minha vida. Após este episódio, tive certeza que jamais a conheci.

 

 

Quarta-feira Sem Chuva

 

Wuldson Marcelo**

 

Beatniks, Malditos e Marginais

 

 

Melissa chega às dez da noite em casa, cansada. “Não dá tempo para ir ao bar”, pensa. Deixa as roupas pelo chão da casa, despindo-se devagar, como que abatida por leve tristeza ou vítima de um sossego preguiçoso. Entra no chuveiro, planeja permitir que as águas façam cócegas em sua nuca, mas a queda vem forte. Desisti. Olha os pulsos marcados. Sem dor. O calor faz-se sentir. Mesmo com o banho, não há alívio imediato. Procura o telefone celular. A quarta-feira a convoca para novas emoções. Verifica as marcas novamente, somem devagar. Caso abandone o celular sobre a mesa de centro, com certeza, não haverá vestígio delas no fim de semana. “Será que a moça está no bar? Foi embora?”. Reflete sobre as alternativas. Ir ou ficar.

Em um bar periférico de Cuiabá, Sandra aguarda a chegada de Melissa. Respira lentamente. Considera o lugar escuro, porém excitante. Vigia a bolsa aos seus pés, que está presa pela sola do sapato direito. Pensa na mulher que ainda não chegou e se o encontro será igual aos anteriores. Passa a mão pelos cabelos domados por um rabo de cavalo. Céu azul em noite quente, sem chuva. “Quarta-feira, dia ideal para despertar meu dragão imprevisível”, pensa. Sente-se ridícula. Depois imagina o êxtase.

O rapaz beija a namorada. “– É hoje, né, Israel? Toda a quarta-feira?”. A moça pergunta. “– Sim, amor. Sabe como é. São clientes especiais”. A jovem beija-lhe a boca ardentemente. “– Porra! Também terei uma noite daquelas. Verei aquele velho babão, do cassino clandestino. E, em seguida, o vereador”. Ela suspira. Israel a segura nos braços e a beija. “– Seja serena, Serena!”, diz, rindo copiosamente da brincadeira desgastada.

Melissa está no bar. O silêncio ainda não constrange as moças. Sandra sorri. Pensa na intimidade entre elas, e no desconhecimento que cada uma tem da vida da outra. Melissa bebe o vinho barato que lhe trazem. Deseja verificar o celular, ver se há recado de sua secretária. A reunião de amanhã será pesada. Quer esquecer o dia duro e o futuro de lutas diárias na empresa de seguros. Sandra mexe no rabo de cavalo, estuda os lábios de Melissa. Imagina que no dia seguinte perderá pelo menos trinta minutos da primeira aula. Quer ser arquiteta, viver na Argentina. Elas aguardam, conversam trivialidades: calor, trânsito, crescimento demográfico…

Israel se perde no caminho. Especula por quais motivos as mulheres mudaram o local de encontro. Sorri. Pensa no dia em que duas desconhecidas entraram em seu site e combinaram um ménage à trois com práticas BDSM. Três pessoas incógnitas até aquele dia, conhecidas tão somente pelos seus codinomes. Lembra-se que Melissa e Sandra solicitaram uma conversa privada e, de repente, lá estavam os três escolhendo lugares e como procederiam com os desejos em comum. Israel encosta o carro em frente ao bar. Percebe a animação das jovens. Inspeciona a mochila. Não esqueceu nada. Cordas para Melissa. O chicote que Sandra gosta de utilizar para dominar os insubordinados. Além do figurino típico: máscaras, corpete, arne, coleira + trela, botas. Desce do automóvel imaginando o quanto duraria esse triunvirato erótico.

Sandra tenta esboçar sentimentos de amor pelos parceiros de transa. No entanto, sempre se convence que é um negócio. Melissa considera que o contrato está muito bem firmado. Pensa que é possível viver assim por pelo menos mais três anos, até estar preparada para um relacionamento sério. Israel deseja se casar com Serena, e que o casal se aposente dos programas sexuais. Porém, teme que Serena goste demais do que faz. E que ele mesmo, ao ser chicoteado por Sandra na coxa esquerda, não consiga abandonar o prazer que retira dos apetites sensuais das garotas.

Melissa, ao retornar do motel escondido nas entranhas da Cidade Verde, verifica as novas marcas nos pulsos e sente os sinais que Sandra deixou em suas costas. Caminha até a geladeira e degusta o vinho do Porto que havia esquecido na geladeira. Olha o relógio, já é quinta-feira. Hora de dormir, para suportar o dia difícil de trabalho. Antes imagina se deveria repetir essas experiências também no fim de semana, com parceiros diferentes.

Sandra sai do banheiro e vai direto para o computador. Logo mais terá aula. Desiste de acessar o Facebook. Distrai-se fantasiando com Melissa amarrada em sua cama. Levanta-se, acende um cigarro, abre a janela e observa a madrugada florescer emoções indescritíveis.

Serena está deitada no sofá, adormecida, um ronco baixo pode ser ouvido. Israel a olha com tesão, vendo-a formosa em sutiã e calcinha vermelhas. Pensa como adora fazer sexo com a namorada ao amanhecer. Sorri e pensa que ela ficará feliz, se, ao despertar, tiver um belo café da manhã à sua espera e rosas vermelhas para animar o dia.

 

 

A Viagem

 

Tita Martinuci ***

 

Café e Analgésicos

 

 

Eu nunca chamaria nosso caso de amor, até porque ela nunca deixaria, mas também não sei onde mais encaixar tudo isso e que me perdoe pelo medo que causo toda vez que sugiro algo parecido. É que só o amor me faria cruzar a cidade embaixo de chuva sem ao menos saber se ela está em casa. Nessas horas, eu me arrependo amargamente por tê-la deixado apagar o seu número da minha agenda na última briga, queria ter certeza que eu cumpriria com a promessa de não ligar. Ela sabe que não sou bom com promessas e eu sei que ela não é boa com sentimentos.

Faz seis meses que não a vejo, e, amigo, são quase 180 dias sem percorrer aquela pele, acho que ainda conheço de cor todos os seus desejos. São duas linhas de metrô, dez estações e mais meia hora de ônibus para chegar no apartamento “quarto e sala” da zona oeste. Quem mora em São Paulo sabe que é quase impossível chegar em qualquer lugar quando chove e não demora muito para o ônibus parar num ponto de alagamento. Estamos quase na Pompeia e me lembro daquela vez que a levei a contragosto no jogo do Palmeiras, de fazer amor numa rua deserta perto da casa dela, sua respiração ofegante e desafiadora misturada com o barulho da avenida logo abaixo. Adorava me testar, atiçar e provocar em mim todos os tipos de urgências necessárias ao desejo fulminante.

Como irá reagir ao me ver aparecendo assim do nada? Como irei abordá-la no interfone? Será que estará? Se não estiver, espero. Se não quiser me receber, invado o prédio. É que fiz tanta coisa errada que me pergunto se gastei todas as chances de fazer desse caso nossa casa.  Meu ponto é o próximo, minhas pernas bambeiam e eu ofego num frenesi juvenil. Que idiota me sinto.

Aumento o volume do player para me distrair dos pensamentos, me preparo para pegar um pouco de chuva e salto. Chove mais do que eu imaginei de dentro do ônibus abafado, não demoro para estar encharcado e essa ansiedade misturada com o medo me provocam pânico. Tento me controlar, relaxar, mas não demora muito e a voz do Mike Patton invade meus ouvidos e como numa miragem a vejo dançando pra mim. Traído pela minha sanidade, desligo o player e aperto o passo.

Chego na esquina da casa dela e, amigo, eu lembraria daquela sacada até em outra encarnação, do dia em que ela nos trancou para o lado de fora e só liberou a saída depois que cumpri todos os seus desejos, até meu último piscar de olhos me recordarei do seu olhar de satisfação. Dava-me toda sua liberdade e eu a aprisionando em minhas ilusões. Dobro a esquina e dessa vez não é uma miragem que me salta aos olhos, mal tenho tempo de pensar em como reagir. Põe as mãos na fechadura por um segundo e sorri de canto de boca. Seus olhos brilham, está mais linda do que em meus sonhos, e antes mesmo que eu pudesse me explicar, se lança em meus braços como se eu nunca tivesse partido.

– Achei que nunca mais ia voltar!

Desgruda do meu corpo e seu vestido fino de verão fica encharcado do meu abraço.

– Te esperei por tanto tempo.

E eu mudo, desarmado por sua reação inesperada. Ela aninhada em meu peito, eu perdido em seu abraço, nem nos importamos com a chuva que insiste em cair. Eu teimo em dizer que tudo isso talvez seja mesmo amor.

 

 

* Charlis Haubert. Empresário sócio da FORS e estudante de Direito. Aventurou-se no mundo dos contos passando um pouco da cultura do Rio Grande do Sul.

** Wuldson Marcelo. É mestre em Estudos de Cultura Contemporânea e graduado em Filosofia (ambos pela UFMT). Autor do livro de contos “Subterfúgios Urbanos” (Editora Multifoco, 2013) e um dos organizadores da coletânea “Beatniks, malditos e marginais em Cuiabá: literatura na Cidade Verde” (Editora Multifoco, 2013).

*** Tita Martinuci. Jornalista por formação, escreve para tentar compreender as relações humanas e suas nuances. Gosta de Kerouac, Woolf e Faulkner, acredita que há beleza na melancolia e que os fins são inevitáveis.

Tiago Haubert

Tiago Haubert é escritor e sonhador, empresário idealizador da marca de roupas FORS e advogado. Mantém o blog Causos de um aspirante a escritor que traz dicas para escritores e tem o intuito de apoiar a literatura nacional. Escreve também no “blog Tiago Haubert” do site “Tudo sobre floripa”. Em 2015 terá seu primeiro romance – Enigmas dos Sonhos: O Pergaminho Encantado – publicado pela Editora Selo Jovem.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*